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Foto Fomos conhecer Fernando Silva da Educacão

A ciência dá-nos cada vez mais provas de que os cães têm um efeito benéfico não só a nível psicológico mas também social e físiológico. Quem vive com um cão está bem ciente destes benefícios. Mas quem não vive? Como é que pode usufruir desses benefícios? O cão é sem sombra de dúvida o melhor amigo do Homem e está sempre disposto a ajudá-lo. Mas até que ponto é que estamos a tirar proveito da sua boa vontade? Ouvimos falar em cães de terapia que vão a escolas, lares e até frequentam clínicas e hospitais mas então porque é que em Portugal ainda há tantos entraves à utilização destes cães? Tantas perguntas e tão poucas respostas...

Foi por isso que nos encontrámos com Fernando Silva, um educador de cães há mais de 25 anos que, entre muitas outras coisas, faz terapias assistidas e também dá formação na área. É considerado o pioneiro das terapias assistidas em Portugal e, como tal, ninguém melhor do que ele para nos elucidar sobre o tópico.

Doglink: O Fernando é considerado o pioneiro das terapias assistidas com animais em Portugal, assim gostávamos de começar esta entrevista com um bocado da história destas terapias...

Fernando Silva: No mundo ou em Portugal?

Em Portugal. Como e quando é que foi o primeiro projecto de terapias assistidas?

O primeiro projecto, no qual tive o prazer de estar envolvido, começou há 15 anos. Surgiu a oportunidade de conhecer o grupo da CERCICA e desenvolvemos um projecto, em colaboração não só com a minha escola Educacão mas também com a Bocolán Espanhola, onde era formador na altura. O projecto consistia em ajudar miúdos com deficiência ligeira ou média a adquirir mais capacidades de trabalho através da interacção com cães. Podiam assim vir a trabalhar num canil de albergue para cães, numa loja de animais, na limpeza, na reposição de coisas nas prateleiras e, às vezes, até alcançavam sucesso na relação com o cliente. O projecto foi um verdadeiro sucesso e ainda hoje funciona.

E hoje em dia ainda são os cães da escola que fazem as terapias?

Não. Inicialmente eu deslocava-me lá com os meus cães, entretanto o pessoal da CERCICA começou-se a deslocar-se até à nossa escola com os seus cães para treinarem e, hoje em dia, já trabalham com os próprios cães. Agora são autónomos e eu não preciso sequer de estar presente.

Mas para fazer terapias assistidas com animais é necessário não só o treino dos cães mas também a formação de técnicos, não é?

Sim. Os técnicos devem saber lidar não só com pessoas mas também com os animais. Antigamente, nos cursos de terapias assistidas não se dava muito valor ao trabalho do cão. Os cursos eram muito vocacionados para os técnicos em si e eu achei que não era o tipo de curso correcto. Na verdade, na maioria dos casos, quem procurava este tipo de cursos eram psicólogos, sociólogos e educadores. Enfim, as terapias eles sabem bem como fazê-las. A parte do cão era muito importante, então fiz um curso de formação ao qual dediquei um terço só à parte do treino e educação dos cães. De facto, resultou muito bem.

Qualquer pessoa com cão pode tirar um curso destes, ou é preciso ter habilitações especiais?

Não. Os cursos que organizamos são dirigidos especialmente aos profissionais da área da saúde ou da educação, mas também estão abertos a todos aqueles que tenham um profundo interesse por animais e pelas possibilidades que os cães e outros animais podem proporcionar aos idosos, crianças e indivíduos portadores de deficiência. No fundo, as pessoas que tiram este curso são pessoas que de algum modo estão também ligadas ao treino de cães e que, principalmente, gostam de ajudar. No fundo, já têm o cão e a intenção é usá-lo no trabalho.

E todos os cães podem ser utilizados nestas terapias?

Há pessoas que vêm um cão muito bonito e mansinho e pensam logo que serve. Há uma coisa que temos de ter sempre em conta que é o bem-estar do animal. Portanto, não podemos ir além do que o cão nos pode dar e temos que aceitar que há cães que não suportam o simples facto de estarem num recinto fechado – só isso já lhes causa stress. Depende de cada animal e, muitas vezes, só uma ida a um centro é que nos permite ver se os animais conseguem fazer aquilo a que nos propomos. Muitas vezes, ao princípio, as sessões têm de ser mais curtas mas varia de animal para animal. Há animais que simplesmente não servem: não gostam, ficam com medo, ficam retraídos, lambem-se, arfam, começam-se a coçar e isso tem de ser levado em conta.

Este ano, nos EUA, uma cadela Pitbull que faz terapias assistidas foi considerada o cão do ano. Já treinou cães de raças consideradas potencialmente perigosas para fazer terapias assistidas?

Já tivemos alunos com cães potencialmente perigosos. Há duas vertentes. A primeira são as pessoas que utilizam as terapias para mostrar que estes cães não são perigosos. Depois, há aquelas pessoas que têm os seus cães mas gostam realmente de ajudar e fazem esse tipo de coisas. Em ambos estes casos, a lei portuguesa obriga a que estes cães andem açaimados, o que dificulta o ganho de confiança por parte dos pacientes. Por mais que eu goste de algumas raças potencialmente perigosas, percebo que hajam raças mais indicadas para terapia. Quando me dirigir a um lar ou a um centro com crianças, estas assim que virem um cão açaimado a chegar e depois de tudo o que ouvem na televisão, vão ter muito mais receio. Infelizmente em Portugal, estas raças só são faladas pelos ataques, portanto temos um grande entrave à sua utilização como cães de terapia.

Estão provados cientificamente os inúmeros benefícios destas terapias, mas é preciso gostar de cães para se sentir os benefícios ou quanto mais se gosta de cães maiores são os benefícios?

Não. A maioria dos pacientes que tratámos nem gostavam muito de cães. Tratavam-se de crianças, jovens adultos com deficiências mentais que nunca lhes tinha sido permitido ter uma relação com cães. Portanto não tem de haver uma relação. Pessoas que não gostavam passam a gostar e têm resultados tão bons ou melhores do que os outros que já gostavam.

E estas terapias são baratas?

Reparem, em Portugal não há dinheiro; se for o técnico a fazer terapias com o cão e se tiver que se deslocar de propósito ao centro torna a terapia cara. Eu debati-me com isso inúmeras vezes, já fiz muitas coisas em muitos sítios e deparo-me sempre com a situação: “Quanto é que isto vai custar? 50 € por uma sessão uma vez por semana. Prefiro comprar uma cadeira de rodas.” É muitas vezes esta a mentalidade que encontramos. As associações, os hospitais, os lares têm de perceber que isto é uma mais valia, mais uma “ferramenta”, a criar dentro das organizações, que não compete com a cadeira de roda mas que colabora para que se libertem mais cadeiras de rodas. Portanto, quando os técnicos já trabalham na área e se disponibilizam para levar o seu animal os custos são menores e aceitação é maior.

Os cursos de terapias assistidas são certificados por alguma entidade?

Não há ainda nenhuma creditação. Há algumas organizações que se dedicam a esta área e fazem as suas certificações, mas não existe esta profissão, portanto, não existe ainda legislação. A secretaria de Estado da Reabilitação reconhece a escola Educacão como organismo e mais três entidades em Portugal para a creditação de cães de assistência.

Mas lá chegaremos ou não?

Sim, aliás pensamos que isto irá acontecer em breve, porque estes cães também precisam de ter acesso a determinados sítios. Por exemplo, lá fora estes cães entram em todo o lado inclusive em hospitais e cá não, por não haver uma certificação oficial. Como em tudo em Portugal, estamos sempre na cauda da Europa.

Pois... cá em Portugal os cães de terapia não podem entrar em hospitais ou podem?

Não conheço nenhum hospital que receba cães. Soube de uma história de um doente em fase terminal que pediu para ver o cão como último desejo. Não deixaram o cão entrar no hospital. Levaram o doente à rua para ver o cão... Cá, os cães entram apenas em lares, centros de deficiência e associações.

A Educacão está apenas ligada à formação ou também trabalha directamente com as clinicas?

Sim, trabalhamos. Além da CERCICA, já trabalhámos com a Casa de Saúde do Telhal, Centro do Pousal e mais uma série de trabalhos, todos voluntários. Nunca cobrei para fazer terapias, foi sempre uma opção. Trabalhamos com todos os que nos pedem e que também no que nos é possível; isto tem sido um abrir de portas; temos conseguido entrar em alguns sítios e divulgar estas terapias, o que é bastante gratificante para nós!

Para quando o próximo Curso para Técnicos em Terapias Assistidas com cães?

Queríamos fazê-lo no início do próximo ano. Continua a haver muita procura. Vai ser o nosso quarto curso!

Que seja, mais uma vez, um sucesso!