O Labrador Retriever é uma das raças mais populares em Portugal. Não é de espantar já que se dá bem com a maioria das pessoas, adora afectos, não requer muito exercício e está adaptado a uma grande variedade de situações. Os cães desta raça são descontraídos, obedientes e simpáticos para qualquer pessoa e estas são as características que a maior parte das pessoas procura nos cães.

Curiosamente há quem procure exactamente estas características noutras raças. Porquê? Por causa das aparências. Um óptimo exemplo disso é o Pastor Alemão, a segunda raça mais popular em Portugal (de acordo com as estatísticas do CPC, 2012). O seu visual lupóide, porte altivo e pelagem suave, faz com que muitas pessoas queiram adquirir exemplares desta raça. No entanto, ao contrário do Labrador Retriever, o Pastor Alemão é um cão que exige algum exercício e é um protector por natureza, pelo que não irá adorar qualquer pessoa ou adaptar-se facilmente a uma vida sedentária. Esta popularidade fez com que a raça se ramificasse em duas direcções distintas: beleza (de natureza mais calma) e trabalho (de natureza mais agitada). Mas apesar disso, até que ponto é possível colocar um Pastor Alemão na pele de um Retriever?

Não é possível criar um cão de uma raça com o temperamento de outra

O facto do Homem ter criado mais de 400 raças caninas reconhecidas é a prova de que é possível manipular a genética do cão. No entanto, até na genética há limites. Caso disso é o exemplo do trabalho do geneticista Dmitri Belyaev.

Em 1959, Dmitri tentou criar uma versão doméstica da raposa. Ao seleccionar as raposas menos agressivas para cruzamentos, Dimitri conseguiu, após 10 anos, criar raposas mais dóceis para com o ser humano comparativamente às selvagens (ver vídeo). Mas surpreendentemente, além de ficarem mais dóceis também a sua morfologia (cor da pelagem, cauda e orelhas) e comportamento foi alterado. Ao contrário das raposas selvagens, a nova geração de raposas dóceis respondia ao nome e até ladrava!

Com a criação de cães passa-se exactamente o mesmo. Ou seja, não é possível alterar o temperamento de um animal sem alterar a sua morfologia ou mesmo comportamento. Por isso, – e respondendo à pergunta – não é possível encontrar um Pastor Alemão que tenha o temperamento de Labrador Retriever.

Cada cão é um cão

Ao contrário do que queremos acreditar, nem todos os cães são iguais no seu interior. As diferentes raças apresentam certas características em comum – quatro patas, bom olfacto (bem superior aos humanos), algum instinto de perseguição, etc. Ainda assim, cada raça apresenta diferentes níveis destas características e nem dois cães da mesma raça são exactamente iguais um ao outro.

Quem adquire um Pastor Alemão deve aceitar a sua energia, a sua pré-disposição para trabalhar e o seu estado de alerta. Por isso, é importante que os seus donos saibam que é preciso exercitá-los, treiná-los, brincar com eles e sociabilizá-los para que se comportem bem em público.

Alguém que espere ter um Pastor Alemão amigável e calmo, vai rapidamente cansar-se com a sua energia. Do mesmo modo, alguém que adquira um Labrador Retriever na esperança de fazer flyball vai ficar facilmente frustrado. Independentemente do que os criadores possam prometer, perceber cada raça é meio caminho andado para não se criarem falsas expectativas.

O cão ideal

A maioria das pessoas parece ter uma ideia generalizada acerca da personalidade dos cães: todos devem adorar pessoas (qualquer que seja a pessoa) e crianças (devem ser carinhosos e tolerantes independentemente da idade da criança ou do que ela possa estar a fazer). Além disso, devem adaptar-se facilmente a qualquer actividade que os donos estejam a fazer – seja ela ficar o dia inteiro em casa a relaxar ou ir fazer exercício intenso.

Assim, na maior parte das vezes, a escolha de um cão baseia-se na forma, no tamanho e na cor, considerando apenas as características desejáveis do seu cão ideal. Isto torna-se muitas vezes num “problema” quando o cão cresce pois, apesar deste ter as características morfológicas que tanto os donos almejaram, exibe também características temperamentais típicas da raça que são menos desejadas.

Referência: Eric Brad, Life as a Human