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As úlceras indolentes são lesões superficiais da córnea e, tal como o nome indica, são bastante difíceis de cicatrizar. Curiosamente, estas úlceras são também denominadas por úlceras dos Boxers por terem sido inicialmente descritas em cães desta raça.
Segundo a experiência da Dr.ª Ana Paula Resende, diplomada em Oftalmologia Veterinária pela Universidade Autónoma de Barcelona e diretora clínica do Centro Veterinário Vet Visão, as úlceras indolentes surgem preferencialmente a partir dos 7 anos de idade e não são exclusivas da raça Boxer tendo já sido identificada quer noutras raças quer noutra espécie como o cavalo.
Este tipo de úlceras provoca dor ligeira a moderada e os animais ficam com blefarospasmo (olho fechado) e epífora (aumento da produção de lágrima).
Esta situação clínica necessita de um tratamento médico específico uma vez que a cicatrização destas úlceras não ocorre de forma convencional.
O que é uma úlcera indolente?
Uma úlcera indolente é uma úlcera da córnea crónica, superficial, tipicamente não infectada e de difícil cicatrização. Normalmente os animais com úlceras de córnea superficiais e com tratamento adequado cicatrizam estas lesões rapidamente (5-7 dias). As úlceras indolentes são erosões epiteliais que não se resolvem pelos processos de cicatrização normal e tardam em cicatrizar.
A córnea é transparente e possui uma forma semelhante à de um vidro de relógio. É constituída por 3 camadas principais: epitélio; o estroma que representa 90% da sua espessura, formado por tecido conjuntivo especial rico em colagénio e por fim endotélio. Entre o epitélio e o estroma existe uma fina camada denominada membrana basal. O epitélio está ancorado à membrana basal por hemidesmossomas. Fibras de ancoragem ligadas aos hemidesmossomas atravessam a membrana basal para se fixarem em placas do estroma anterior criando uma aderência estável.
Quando há uma falha na fixação do epitélio ao estroma originam-se úlceras indolentes.
Corte histológico de úlcera indolente – A seta representa o epitélio da córnea separado do estroma. (Laus JL. Oftalmologia Clínica e Cirúrgica em Cães e Gatos. 1ª ed. São Paulo: Roca, 2007).
Como é que surge?
A etiologia das úlceras indolentes não está completamente esclarecida. Uma diminuição da quantidade de hemidesmossomas nestes animais é uma das causas prováveis para estas lesões. Outros estudos apontam defeitos estruturais do epitélio, da membrana basal ou do estroma anterior como razões para este problema.
As úlceras indolentes são na grande maioria das vezes espontâneas mas podem estar associadas a um evento inicial que causa uma erosão. Trauma, anomalias palpebrais (incluindo entropion, massas, lagoftalmia, defeitos nos cilios, etc), anomalias da película lacrimal, deficiências na inervação da córnea, corpos estranhos, infecção podem estar na origem da lesão inicial.
Segundo a Dr.ª Ana Paula, um defeito que é frequente nos cães da raça Boxer é a distiquiase (cílios ou pestanas que emergem bordo das pálpebra) e que provocam irritação mecânica associada ao movimento palpebral. “Neste caso podemos corrigir este defeito facilmente através de depilação definitiva. A eliminação da causa subjacente é essencial para o sucesso terapêutico.” Quando a causa subjacente é identificada e eliminada e a úlcera persiste mais de 1-2 semanas estamos perante uma úlcera indolente.
Qual o tratamento?
Há várias técnicas descritas para o tratamento das úlceras indolentes. O tratamento de uma úlcera indolente inclui remover o epitélio solto que não está aderente ao estroma subjacente e promover a aderência do novo epitélio.
A queratectomia superficial com fresa de diamante é uma técnica segura e rápida que pode ser realizada sem recurso a anestesia geral.
Inicialmente deve ser desbridado o epitélio solto, ou seja, deve ser removido todo o tecido morto que não está aderente ao estroma. Posteriormente, são realizados procedimentos adicionais para expor a membrana basal e o estroma e assim promover a fixação do novo epitélio.
Hoje em dia, uma das técnicas que apresenta melhores resultados é a queratectomia superficial com fresa de diamante. Esta técnica é um método seguro e rápido para promover a exposição da membrana basal que pode ser realizado na maioria dos animais só com recurso a um anestésico tópico evitando assim uma anestesia geral.
Quanto tempo e como é o período de recuperação?
O tempo de cicatrização é de aproximadamente uma a duas semanas mas depende do tamanho da lesão. Durante este período, o dono deverá aplicar um antibiótico tópico para evitar infecções bacterianas e um cicloplégico, para promover o relaxamento dos músculos ciliares e atenuação dos espasmos ciliares que são os principais causadores do desconforto ocular.
Para o controlo da dor, o médico veterinário poderá também prescrever analgésicos. Além disso, durante o período de recuperação um colar isabelino é essencial impedir o cão de coçar o olho.
Esta doença pode ser frustrante, principalmente nos casos mais difíceis. Acima de tudo, tenha disciplina e melhore a disposição do seu cão dando-lhe as suas guloseimas preferidas e recompensando-o pela sua paciência.
Artigo revisto por: Dr.ª Ana Paula Resende, VetVisão