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Foto Homem e cão: Quem é que se aproximou de quem?

Quando se pensa em como é que os cães passaram das florestas para os nossos sofás, atribuímos geralmente ao Homem essa responsabilidade. A hipótese mais comum é que um caçador encontrou uma ninhada de lobos, achou-os “queridinhos” e adoptou-os. Estes lobos “domesticados” demonstraram ser uma mais-valia na caça e, por isso, os humanos mantiveram-nos. Com o passar do tempo foram-nos seleccionando consoante as suas necessidades, evoluindo até ao que conhecemos hoje: os cães.

No entanto, quando olhamos para a nossa relação com os lobos ao longo da História, esta hipótese parece não fazer muito sentido, pelo menos é o que o Dr. Brian Hare discute num artigo de opinião da National Geographic. Uma das razões é que, na altura em que o lobo "foi domesticado", os humanos não toleravam muito bem os seus competidores carnívoros. De facto, há cerca de 43.000 anos atrás, quando os humanos chegaram à Europa, dizimaram praticamente todos os grandes carnívoros da época. No entanto, os registos fósseis não conseguiram revelar se estes animais morreram à fome devido à falta de alimento (retirado por parte dos humanos) ou se estes foram mortos propositadamente. De qualquer das maneiras, o que se sabe é que as bestas da Idade do Gelo foram extintas.

Segundo Hare, a hipótese da caça também não é muito convincente. Os humanos já eram caçadores eficientes antes de terem lobos, sendo muito mais bem sucedidos do que qualquer outro carnívoro. Além disso, os lobos comem muita carne, necessitando diariamente do equivalente a um veado por cada 10 lobos – demasiado para os humanos os quererem alimentar.

No passado dos humanos houve sempre um maior afastamento dos lobos do que uma tentativa de os adoptar. Nos últimos séculos, quase todas as culturas levaram os lobos à extinção. O primeiro manuscrito que data uma perseguição aos lobos foi no século VI a.C. quando Sólon da Grécia Antiga ofereceu uma recompensa por cada lobo morto. Na Escócia, as florestas eram tão densas que dificultaram a morte dos lobos, mas não a impediram: os Escoceses queimaram as florestas! Cá em Portugal a situação dos lobos não foi muito melhor: ao longo do século XX o Lobo Ibérico deixou de existir praticamente em todo o território português para se encontrar exclusivamente no norte do país. (Francisco Álvares, O Lobo em Portugal)

Se este tem sido o nosso comportamento há séculos, então como é que este animal não compreendido nem tão pouco tolerado pela maioria dos humanos conseguiu permanecer junto de nós tempo suficiente para evoluir até ao cão doméstico?

Geralmente, pensamos na evolução das espécies como sendo a sobrevivência do mais forte, ou seja, os mais fortes e dominantes sobrevivem enquanto que os fracos se extinguem. No caso da história dos cães, o sucesso pouco ou nada tem a ver com essa lei da sobrevivência. O sucesso da sua sobrevivência prende-se não com quem é mais forte ou dominante mas pelos que são mais simpáticos.

Dr. Brian Hare afirma que muito provavelmente foram os lobos que nos abordaram primeiro e não o contrário. Talvez se tenham aproximado para procurar algo no lixo. Os lobos corajosos mas agressivos teriam sido mortos por humanos e só aqueles corajosos e amigáveis é que teriam sido tolerados.

A simpatia destes lobos causou-lhes uma mudança morfológica. A domesticação deu-lhes manchas na pelagem, orelhas caídas e caudas agitadas. Em apenas algumas gerações, estes lobos “amigos” ter-se-ão tornado muito distintos dos seus familiares mais agressivos. Mas as mudanças afectaram não só o seu físico mas também o seu psicológico: desenvolveram a capacidade de ler os gestos humanos.

Enquanto donos de cães, tomamos quase como garantido que quando atiramos uma bola ou brinquedo a um cão, ele o irá buscar. Mas esta habilidade dos cães de lerem a mente humana é de facto notável! Mesmo os nossos familiares mais próximos (os chimpanzés) não conseguem ler os nossos gestos tão bem quanto os cães. Os cães são muito parecidos às crianças na maneira como prestam atenção aos humanos e, para alguns, até uma pequena mudança no olhar do dono é perceptível. Esta habilidade fez com que os cães tenham desenvolvido uma capacidade extraordinária para comunicar connosco.

Assim sendo, Dr. Brian Hare acha que é provável que tenham sido os lobos a tomarem a iniciativa de se aproximarem e que, à medida que as vantagens de tê-los ao seu lado começaram a ser claras para os humanos (defendiam-nos de predadores, alertavam contra ameaças, etc.), a relação do homem com os cães foi evoluindo – da mesma maneira que aconteceu primeiramente com os lobos.

E você, quem é que acha que deu o primeiro passo para o início desta relação?

Fonte: National Geographic