Registo
Foto Ansiedade de separação

Já alguma vez chegou a casa e encontrou os pés da mesa da sala ruídos ou as unhas do seu cão marcadas na porta de entrada? Quando chega a casa o seu cão desata aos saltos para cima de si num ataque de energia? Os vizinhos avisam-no, mais uma vez, que o seu cão está a levar o bairro à loucura por ladrar compulsivamente na sua ausência? Revê-se nestes cenários? Então talvez já tenha ouvido falar em ansiedade de separação.

O que é a ansiedade de separação?

No livro Clinical Behavioral Medicine for Small Animals, a Dra Karen Overall define ansiedade de separação como “uma condição na qual os animais exibem sintomas de ansiedade ou angústia excessiva quando são deixados sozinhos”. Inicialmente o cão pode sofrer de uma pequena angústia que se desenvolve numa ansiedade severa. A angústia indica um comportamento de stress de baixa intensidade, enquanto que a ansiedade é um ataque de pânico extremo. Os sinais mais comuns incluem comportamento destrutivo, vocalização excessiva e urinar ou defecar em casa. Muitos cães com este comportamento também se recusam a comer ou beber quando deixados por sua conta, arfando ou babando excessivamente e tentando escapar do sítio onde estão confinados, independemente dos danos que possam sofrer ou que possam causar.

É normal que os cachorros sofram ansiedade de separação quando separados da sua mãe e irmãos – é um mecanismo de adaptação para sobrevivência. Um cachorro que se separe da sua mãe chora de modo a que a sua mãe o encontre e o possa salvar. Na natureza, até mesmo um animal adulto que seja deixado sozinho poderá morrer – quer seja devido à fome, pois não está incluído numa matilha para caçar, ou devido a ataques, pois não tem companheiros que o possam proteger.

Dada a importância de ter um companheiro, escusado será dizer que a adaptabilidade do cão enquanto espécie não pode estar restrita a um regime de solidão. Ainda assim, nos tempos modernos é frequente que um dono passe algum tempo fora de casa, longe do seu cão – de certeza que isto já aconteceu ou que até acontece ocasionalmente, não? Nestas situações, o animal deve conseguir distrair-se apropriadamente durante a sua ausência sem que fique ansioso. Ou seja, prepare o seu cão para que durante a sua ausência saiba lidar com o isolamento social que a situação poderá exigir.

O meu cão sofre de ansiedade de separação?

Hoje em dia muitos cães estão expostos a uma dose diária de isolamento que pode contribuir para a ansiedade de separação, mas nem sempre esta condição se desenvolve. Por exemplo, urinar ou defecar em casa está relacionado com a ansiedade, mas pode também ocorrer devido a falta de treino, falta de acesso a áreas próprias para urinar ou defecar, expectativas do dono não serem razoáveis (o dono espera que o cão não urine durante 10 horas seguidas), medo, excitação, marcação de terreno, submissão ou incontinência. O comportamento destrutivo pode ser um sintoma de ansiedade de separação ou pode ser um comportamento normal de cachorro, uma brincadeira, uma reacção a um estímulo exterior ou uma descarga de excesso de energia. A angústia por separação pode causar ladrar ou uivar excessivo, ou o cão pode ser estimulado a ladrar devido a barulhos externos (trânsito ou pessoas a falar), invasores (correio ou intrusos), barulhos de outros cães, brincadeira, agresssividade ou medo.

É por isso, importante determinar a causa do problema comportamental antes de começar qualquer programa de modificação de comportamento. Uma câmara de vídeo estrategicamente localizada ou mesmo um gravador poderão ajudá-lo a identificar possíveis estímulos exteriores que estejam a desencadear comportamentos que possam estar relacionados com ansiedade de separação.

“O meu cão faz chichi em casa quando estou e quando não estou!”
Muito provavelmente é um problema de falta de treino e não um problema comportamental.

"O meu cão já destruiu todos os pés da mesa da sala!”
Em casos de ansiedade de separação, a destruição é normalmente redireccionada para o escape – roer ou arranhar as portas, molduras das janelas, rodapés, etc – ou items impregnados com o cheiro do dono. Se a destruição é mais generalizada, o problema aponta para as outras possíveis causas ao invés de um problema isolado.

Porque é que o meu cão tem ansiedade de separação?

Muitas pessoas pensam que o cão desenvolve ansiedade de separação porque o dono está ausente durante muitas horas por dia, ou tem que se ausentar durante um longo período de tempo. Mas será que temos que passar 24 horas na companhia do nosso cão para que ele seja saudável? Em 2011, um estudo conduzido no Reino Unido pela PDSA e YouGov demonstrou que os cães não devem passar mais de 5 horas sozinhos para evitar que desenvolvam problemas de solidão, depressão ou ansiedade de separação. Mas há casos de animais que não aguentam sequer passar uma hora sozinhos em casa, porquê?

Já há muito tempo que se assume que a ansiedade de separação é causada por um problema de relacionamento entre o animal e o seu dono. A base deste fundamento está no facto dos sintomas e das circunstâncias da ansiedade de separação que se observam nos cães serem muito semelhantes aquela experienciada pelas crianças. No entanto, a razão pela qual este distúrbio se desenvolve ainda é desconhecida.

Alguns comportamentalistas defendiam que a ansiedade de separação se devia a uma dependência extrema do animal ao humano. No entanto, esta hipótese está ultrapassada. Em 2006, após um estudo feito por Parthasarathy and Crowell-Davis em que se compararam cães com e sem ansiedade de separação, observou-se que a dependência ao dono em ambos os grupos de animais era semelhante. Além disso, segundo a hipótese da dependência, ignorar os animais reduziria a dependência e logo o comportamento ansioso. No entanto, isto não se verifica: o mesmo estudo prova que ignorar os cães com ansiedade de separação só os torna mais ansiosos. Isto indica que a ansiedade de separação não é, em principio, um problema de dependência extrema.

Há ainda quem defenda que há cães que não sofrem ansiedade de separação porque, mesmo separados fisicamente dos donos, estes sentem uma constante ligação emocional ao dono. É o que o neurocientista Dr. Panksepps concluiu num dos seus trabalhos de investigação.

Quais as situações que podem despoletar esta condição?

Uma mudança na família ou rotina (por exemplo, mudança para uma nova casa) pode levar à ansiedade de separação. Lembre-se que os cães são animais de hábitos e as alterações podem ser muito inquietantes e desconcertantes para eles. Além disso, se esteve de férias ou desempregado e passava muito tempo com o seu cão, quando voltar a trabalhar, o facto de estar ausente pode fazer com que o seu cão se torne ansioso e angustiado, podendo este vir a sofrer de ansiedade de separação.

Eventos traumáticos (por exemplo, sismo ou trovoada) na ausência do dono também podem despoletar a ansiedade de separação – o cão irá associar a ausência do dono com o evento traumático.

Como posso ajudar o meu cão?

Enquanto estiver em casa

  • Certifique-se de que o seu cão é exercitado de forma apropriada e adequada e que brinca o suficiente.
  • Não reforçe os comportamentos “melgas” do seu cão – por exemplo, quando está a trabalhar e o seu cão procura a sua atenção.
  • Se o seu cão é muito dependente de si – segue-o por todo o lado e procura contacto físico – reforçe o seu comportamento calmo e obediente quando ele não estiver em contacto directo consigo.
  • Pratique o comando “fica” numa área familiar ao cão, recompensando o cão por ficar sentado enquanto se afasta gradualmente do animal.
  • Dessensibilize o seu cão para os vários sinais que indicam a sua partida: pegue nas chaves de casa, na sua mala ou carteira várias vezes por dia sem sair de casa, e ignore a resposta do animal.
  • Se o animal tem uma atitude agressiva quando você sai de casa, pratique exercícios de senta e fica, usando goluseimas. Recompense o cão por este estar calmo enquanto se vai embora, enquanto abre a porta e mesmo ao sair. Seja positivo e proceda lentamente.

Na sua partida

  • Prepare o ambiente (e.g. radio, televisão, luzes) 30 minutos antes de sair de casa; não faça alterações à última da hora.
  • Evite interagir com o cão 30 minutos antes da partida.
  • Deixe o cão num espaço confortável, seguro e com temperatura amena. Pode ainda colocar um colete anti-estresse para que o cão fique mais confortável (pode comprar aqui).
  • Quando partir, presenteie o seu cão um bónus (e.g. brinquedo para morder, Kongo com goluseima lá dentro).
  • Saia calmamente e não de forma efusiva.
  • Se o seu cão é agressivo quando você está de partida, faça novamente os exercícios "senta-fica" antes de sair.

Quando voltar para casa

  • Não repreenda nem castigue o cão.
  • Entre calmamente e não de forma efusiva.
  • Ignore os cumprimentos excitados do seu cão até que este tenha as quatro patas no chão. Nessa altura, cumprimente discretamente o animal.

Conclusão

Não deixe que o seu cão encare os fins de semanas como um paraíso e os dias de semana como um inferno. Eduque-o para que este se torne confiante e independente, evitando que sofra de ansiedade na sua ausência.

 

Referências: